sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Perfeição.


Ela costumava sentar e tomar seu café ali, sem ser incomodada mesmo com a cafeteria cheia de pessoas tomando seus cafés elaborados e chiques, procurando fugir de algo, conversar com alguém, paquerar, desabafar, ler. Apreciava seu café mocha (algo feito com café, chocolate, alguma coisa do leite e mais sabe-se lá o que, com sabor baunilha), distraída observando o movimento na rua lá fora.

- Posso me sentar aqui? – Uma voz grave, masculina lhe tirou de seu devaneio fazendo-a desviar seu olhar, primeiro para as mesas em volta, todas ocupadas por alguém, um casal, alguns amigos, depois para o dono da voz. Viu um homem alto, aparentando seus 30 e poucos anos, talvez mais, talvez menos, elegante e sem aparentar ser um psicopata ou algum tipo de lunático oferecendo-lhe um sorriso simpático, enquanto segurava um daqueles copos com alguma bebida feita a base de café e sabe-se Deus lá o que. Esforçou para retribuir o sorriso e com pouco mais de um muxoxo respondeu – Porque não?
Ficou um momento observando a figura agora sentada a sua mesa, até que percebeu que praticamente o encarava, o que a fez desviar o olhar encabulada quando percebeu que ele a olhava de volta.
- Espero não atrapalhar seus pensamentos.
- Não, tudo bem. As vezes é bom um pouco de compania.
- E não tem tido muita? – Sentiu-se encabulada diante do sorriso gentil, mas ao mesmo tempo sarcástico que acompanhou a pergunta.
- Isso está ficando meio…
- Pessoal?
- Acho que sim. – Começou a observar enquanto ele tateava os bolsos a procura de algo.
- E não gosta quando as conversas ficam – sorriu de esgueio enquanto puxava um maço de camel do bolso do blazer – pessoais? – Sem esperar uma resposta, puxou um cigarro perguntando – Se incomoda?
- Se precisa….
- Não preciso, apenas queria.
- Não deveria fumar. Faz mal, sabia?
- Agora isso está ficando bem pessoal – disse sorrindo – Mas eu não fumo.
- E o que ia fazer com isso, então? – Perguntou divertida apontando o cigarro.
- Eu não sou um habitué do cigarro. Fumo eventualmente, quando preciso de ajuda no cérebro.
- Ajuda no cérebro? – Sorria divertida enquanto seu interlocutor apalpava os bolsos da calça retirando o isqueiro e erguendo-o como um troféu.
- É, estimula as sinapses, sabe? Mas vocë não me respondeu se lhe incomoda.
- Vá em frente, o pulmão é seu. – Ficou observando enquanto acendia o cigarro, com um trago demorado e se sobressaltou um pouco quando ele lhe estendeu a mão.
- Ricardo… – Apertou-lhe a mão com suavidade.
- Vitória. – Bebericou seu café e respirou fundo. – Porque precisa estimular suas sinapses, Ricardo.
- Para superar um problema e para escrever sobre ele.
- Escrever sobre ele?
Ricardo respirou fundo, olhando aparentemente para o nada ao seu lado. – O que é melhor para o escritor do que reciclar suas experiëncias reais, irreais, surreais e sensoriais? – Olhou Vitória nos olhos, enquanto dava outra tragada profunda. – O que melhor do que nossa vida e a vida alheia emprestada?
- É um escritor?
- Ou finjo ser. – Seus olhos desviaram dos olhos de Vitória para o cinzeiro na mesa. Tornou a sorrir. – O poeta é um fingidor, finge que é dor, a dor que deveras sente.
- Bonito.
- Não é meu, e também não sou um poeta. Meu amor escoa em prosa.
- Escoa?
- O que é o amor? – Um trago profundo acompanhou a pausa após a pergunta, – Eu sou um cara perfeccionista, segundo meus amigos. Procuro a perfeição em tudo, inclusive nas mulheres.
- Isso deve ser complicado, – Vitória sorria divertida e interessada pela conversa de seu interlocutor.
- Várias vezes mostravam garotas na rua, achando-as lindas, perfeitas.
- E não eram?
- Eu sempre acho um defeito, – Seu sorriso era ao mesmo tempo divertido e triste.
- E onde entra o amor nisso?
Ricardo brincou cutucando a cinza no cinzeiro com o cigarro ainda aceso, mas apagando seu sorriso triste e mudando para uma expressão serena olhando profundamente nos olhos de Vitória.
- Tinha essa garota, eu a conheci por acaso, por causa de amigos. A princípio não a achei linda, era bonita no máximo. – Baixou os olhos para a mesa com um esboço de sorriso – Nas primeiras vezes nos encontramos com amigos, até que um dia aconteceu. E durou bastante.
- E?
- Ela se tornou perfeita. – Agora seu sorriso era completo – Não logo de cara, mas depois de um tempo era linda, o seu humor caustico era perfeito, tudo nela era maravilhoso.
- E o que aconteceu com essa garota?
- A vida. Ela. Nós. Não sei. Acabou.
Vitória tentava decifrar que expressão era aquela no rosto de Ricardo. Seria tristeza? Pesar? Concentração? Saudosismo? Agora ele parecia menos estranho e aos poucos se tornava quase…
– Obrigado pela companhia e desculpe – A frase cortou seu pensamento.
- Já vai?
- Acho que tive alguma inspiração. A conversa ajudou bastante.
- E eu não mereço algo? – Vitória esboçava um sorriso divertido.
- E o que posso fazer por você, Vitória – Ricardo estava contagiado pela expressão de divertimento.
- Me torne perfeita…

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